"No princípio de tudo, quem mandava na Terra era o Grande Deus das Águas, que era poderoso, justo e grave, olhando tudo em redor com os seus imensos olhos verdes, ansioso por ver o enorme território, de que era senhor, povoado por criaturas pacíficas e belas."
Assim começa a primeira lenda de "Lendas do Mar", de José Jorge Letria.
Esta lenda passa-se no princípio de tudo e conta-nos a história de Água, uma dos muitos filhos do Grande Deus das Águas. Era bela e doce, matando a sede a "quem a levasse nos lábios". Mas tudo nela era muito enganador. Água era muito irrequieta, atrevida e temperamental, amuando por tudo e por nada. Não respeitava os outros nem o seu espaço: tinha "o reprovável hábito de invadir o espaço dos seus irmãos e de se apropriar do que lhes pertencia". Gostava de andar por onde lhe apetecesse, invadir os espaços que lhe apetecesse no momento. Era irreverente, obstinada e inconsequente. Gostava de ser livre. Tinha prazer em desobedecer. Achava que tudo lhe seria tolerado e perdoado. Não dava ouvidos a nada do que seu pai lhe dizia. Queria viver livremente, fazendo o que bem lhe apetecesse. Contudo, esta sua atitude desrespeitava por completo a liberdade dos outros...
No início, o pai Grande Deus das Águas tentou educá-la e foi-lhe aplicando pequenos castigos, na esperança de que esta filha rebelde aprendesse que . Mas de nada serviam conselhos, advertências ou castigos. A Água continuou sempre a desobedecer e a fazer tudo o que lhe vinha à ideia, quando e como lhe apetecia.
Certo dia, a Água, apanhando o pai a dormir, invadiu toda a Terra "espraiando-se por continentes e ilhas". Inundou tudo e com a sua corrente arrastou colheitas e animais, causando graves prejuízos no planeta.
Ao saber do sucedido, o Grande Deus das Águas ficou tão zangado que decidiu aplicar à filha Água um castigo que mudaria a sua vida para sempre: a Água deixou de ser doce e ficou salgada. Um castigo de sal!
E foi assim que a água do mar deixou de ser doce e se tornou salgada até ao fim dos tempos.
Água aprendeu a lição. A partir de então, nunca mais se atreveu a ir tão longe como naquele dia do princípio de tudo. Contudo, por vezes, ajudada pelo vento, ainda ameaça a Terra e os seus habitantes...
O que nos ensina esta lenda?
A lenda mostra-nos que não devemos ser arrogantes, egoístas ou desrespeitadores. Ensina-nos principalmente que a liberdade só existe se respeitarmos o direito que os outros têm também de ser livres no seu espaço. Como afirmou o Grande Deus das Águas à filha rebelde: "a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros"
Até à próxima lenda!